Uma interface é o modo como duas coisas diferentes se comunicam.

Em engenharia, interfaces são muito úteis para abstrair a lógica macro de um sistema - com elas, componentes focam em funções específicas e as interfaces definem como eles se conectam ao sistema.

flowchart LR
  A
  B
  subgraph S[S]
    direction RL
    a
    b
  end
  a-.->A  
  b-.->B
  classDef abstract stroke:#f66,stroke-width:2px,stroke-dasharray: 5 5
  class a,b abstract;

No diagrama acima, o sistema S delega as tarefas a e b para os componentes A e B, respectivamente. As setas representam interfaces.

Vamos analisar aqui benefícios das interfaces com um olhar para produtos de engenharia de modo geral.

Reúso

Interfaces permitem que um componente seja projetado para atender mais de um sistema.

Reciclagem

O raciocínio é parecido com o do reúso, porém, o reúso trata da concepção de um componente visando atender vários casos de uso; a reciclagem trata de aproveitar um componente já existente, ao invés de criar um novo.

Intercambialidade

Partes podem ser trocadas por outras equivalentes.

Paralelismo de trabalho

Times distintos podem trabalhar em paralelo nas partes, entregando mais rapidamente o produto final.

Dissipação de risco

Está relacionado ao paralelismo de trabalho. Problemas em uma frente de trabalho não afetam outras frentes.

Custos de maquinário

A produção de uma peça requer máquinas, que custam dinheiro. Repassar a produção para outros evita esse custo.

Especialização

Times e empresas com conhecimentos específicos sobre um tipo de componente os produzem com melhor qualidade.

Testes unitários

Interfaces possibilitam testes de forma isolada no componente, tal que as dependências externas são substituídas por simulações ou imitações - em inglês, mocks. Por serem testes individualizados, há mais atenção e foco no componente em si, além de não ser necessário ter todo o sistema pronto para então validá-lo.

Isso também contribui para o shift-left testing, que é a idéia de antecipar validações no fluxo de trabalho: ao realizar testes isoladamente, problemas ficam visíveis mais cedo no processo.

Comparação entre abordagens de testes shift-left e tradicional.

Exemplos de interfaces em engenharia

Computadores

O hardware dos computadores é extremamente modular, o que facilita trocar partes em manutenções e upgrades.

Diagrama da placa-mãe de um computador.

Qualquer processador que tenha o mesmo soquete que a placa-mãe pode ser usado;
Qualquer pente de memória RAM que tenha o mesmo soquete (ex.: DIMM, SO-DIMM) e mesma classe (ex.: DDR3, DDR4, DDR5) que a placa-mãe é aceito;
Qualquer dispositivo com interface SATA é aceito: discos rígidos, leitoras de CD/DVD.
Qualquer fonte de energia pode ser usada, desde que forneça através do conector correspondente da placa-mãe (ex.: ATX).
Por fim, uma placa-mãe pode ser trocada reaproveitando as demais partes.

Redes elétricas e hidráulicas

Instalações elétricas e hidráulicas também são altamente modularizadas.

Disjuntores elétricos e registros hidráulicos permitem que subsistemas sejam isolados e reparados sem afetar outros.
Terminais podem ser substituídos com facilidade.
- Para elétrica: tomadas, lâmpadas, interruptores, disjuntores; basta atender à tensão (voltagem) e corrente máxima (amperagem).
- Para hidráulica: sifões, torneiras, chuveiros - basta atender ao tamanho das conexões.
A exceção é reparos dentro da alvenaria, como em conduítes e encanamentos, porém, problemas neles tendem a ser mais raros.

Possíveis contrapartidas

Eficiência energética e material

Conexões consomem energia e material, na construção e na operação. Em componentes condensados ou com ligações diretas, essas perdas são mitigadas ou até mesmo eliminadas.

Coesão do sistema

Em toda conexão, há o risco de descasamento entre as partes. Diminuir o número de intermediários torna o sistema mais coeso.

Liberdade de inovação

Interfaces definidas por terceiros podem não atender da melhor forma possível um caso de uso em questão. Nessas situações, pode ser interessante romper padrões de mercado e criar suas próprias interfaces.

Caso de estudo: Querosene de aviação em aeroportos

Aeroportos precisam de querosene de aviação (QAV) para abastecer as aeronaves.

Em aeroportos pequenos e médios, o QAV chega aos reservatórios via caminhões-tanque, que saem das distribuidoras. Porém, em aeroportos grandes e com alto consumo de combustível, o QAV chega via dutos que saem diretamente das refinarias, chamados de querodutos.

Os querodutos são caros de serem construídos, porém a demanda elevada justifica e a operação acaba sendo mais barata e eficiente do que usar caminhões-tanque.

Durante a greve dos caminhoneiros de 2018, aeroportos brasileiros que dependiam de caminhões-tanque sofreram com escassez de combustível e alguns tiveram suas atividades paralisadas. Já os aeroportos servidos por querodutos, Cumbica e Galeão, continuaram funcionando normalmente.

Infraestrutura de abastecimento de combustível de aviação em Guarulhos

Conclusão

O conceito de interfaces vem da idéia de partes intercambiáveis e sua utilização resulta em sistemas melhores, mais confiáveis, mais baratos, de manutenção mais fácil e mais rápidos de serem desenvolvidos. Além disso, contribuem para o reúso de partes, evitando que sistemas precisem ser trocados por inteiro.

Em alguns casos, contudo, desenhar sua própria interface, ou então "cortar o intermediário", pode tornar o sistema mais coeso e eficiente.

Fontes e leituras interessantes

Interfaces como princípio de engenharia